Parafraseando mais uma vez nosso amigo Brneo, este é um texto que eu publiquei no meu blog. Quero deixar claro que ele não tem pretensão nenhuma de ser preciso, politicamento correto, imparcial, engraçado, sério ou culto. Mas também não tem pretensão nenhuma de não ser nada disso. É só um texto publicado na internet e deve ser tratado como tal.
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Isto não é uma reforma gramatical
Diante de um hiato de meses sem poder me dar ao luxo de sentar e escrever para esse pobre blog que não é blog, perdi inúmeras oportunidades sobre as quais nunca me perdoarei. Foram muitos motes deixados para trás. Ministra de cara nova, governo com mais pacotes que caixa de supermercado, lançamento de Wacthmen e Spirit nos cinemas, popularização do
Twitter, Ronaldo Fenômeno Circular depredando estádios, Xuxa insistindo em ver duendes e tendo orgasmos múltiplos, Barrichello conseguindo terminar uma prova… isso só pra citar acontecimentos recentes. Perdi essas e muitas outras oportunidades, mas o assunto tratado a seguir, por motivos de paixão pessoal, eu não poderia deixar passar em branco.
Há alguns meses, jogando videogame (com ou sem hífen?) com meu vizinho, iniciamos uma tórrida discussão - provando que nerds também discutem coisas úteis - sobre as mudanças que nossa amada Língua Portuguesa sofreu no ano novo (com ou sem hífen?).
Ao baixar uma demonstração de um jogo em nosso querido idioma – coisa que até certo tempo atrás era raro no mundo do entretenimento eletrônico – percebemos o tamanho da balela que é essa história de a reforma ortográfica ter como finalidade uniformizar o idioma dos países que compartilham de nossa lusitana língua.
Logo ao começarmos o jogo, nos deparamos com a maravilhosa frase ‘prima o start’. Assim que primamos o start, uma sub-tela (com ou sem hífen?) com os dizeres ‘a carregar’ nos foi apresentada. Ficamos ‘a esperar’ o carregamento e, momentos antes da largada – era um jogo de corrida – o jogo nos ordenou: ‘Prepara-te!’. Preparamo-nos, pois.
Mas peraí, essa é a nossa língua? Quem no Brasil fala desse jeito? Ou mesmo escreve, ainda mais em um meio tão informal quanto os videogames (com ou sem hífen?). Como tornar a grafia das palavras igual pode unificar o idioma de um punhado de países com características tão distintas? E mais: pra quê? Você tem algum interesse em falar a mesmíssima língua que a galera de Macau?
A língua estaria unificada se pudéssemos pegar um livro angolano e lê-lo (com ou sem hífen?) como se fosse escrito por um brasileiro. Ou comprar um DVD português e assisti-lo (com ou sem hífen?) com legendas idênticas ao atual PT-BR (com ou sem hífen?). Ou ainda comprar uma revista da Guiné-Bissau (com ou sem hífen?) e… raios, quem vai comprar uma revista da Guiné-Bissau (com ou sem hífen?)?
Nosso idioma foi construído por décadas de uso. E nosso idioma não é somente um punhado de palavras. É um punhado de palavras que formam frases, expressam idéias, participam de contextos… e os contextos são diferentes de país para país. Se o problema é a diferença entre nossa língua falada e escrita em relação ao português de outros países, assumamos de vez as diferenças e mudemos o nome do nosso idioma para Língua Brasileira. Ou quem sabe Língua Tupi-Lusitana (com ou sem hífen?)?
Vi no Fantástico, se não me engano, uma moça usando como argumento para o positivismo do acordo ortográfico o fato de os livros de José Saramago serem escritos em um português difícil de ser compreendido pelo leitor brasileiro. Claro, lembrou disso só porque Saramago estava na crista da onda depois do lançamento do filme ‘Ensaio sobre a Cegueira’, já que, com aquela cara de estudante universitária, nunca teria ouvido falar do autor se não fosse pela sessão de cinema e TV da Folha de São Paulo onde ela lê o capítulo de amanhã da novela da Globo. Primeiro: compreender José Saramago é para poucos. O cara tem um idioma próprio. Quem já leu alguma coisa dele sabe. Segundo: minha filha, o fato de ‘acção’ passar a ser escrito com um ‘c’ a menos para os Joaquins não significa que os escritores de Portugal vão passar a escrever no mais claro português brasileiro. Mesmo porque o português brasileiro mesmo é subdividido (com ou sem hífen?) em vários idiomas regionais. Aqui a gente entra no fim da fila. Lá eles entram no rabo da bicha. Tirando o Ronaldo, que curte o esporte, isso não vai mudar.
Pois eu, caro leitor paciente que teve a boa vontade de chegar até aqui nesse texto cri-cri (com ou sem hífen?) e implicante, sou a favor de, ao invés de unificar o idioma, subdividi-lo (com ou sem hífen?) ainda mais. Dito isso, tenho algumas regras a sugerir, às quais dei o nome temático de ‘Isto não é uma reforma gramatical’:
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1. O fim do plural em São Paulo.
Orra, meu! Como bom descendente de italiano, sugiro que esqueçamos essa frescura toda de plural, tá ligado?
Exemplo 1:
“Que hora são?” - Note que, nesse caso, só pronunciamos o ‘s’ da palavra ‘hora’ pois esta é seguida de uma palavra iniciada com a mesma letra.
“São oito hora, mano”.
Exemplo 2:
“Essa chuva molhou tudo meus pé”. - É importante lembrar que ter dois pés, a não ser que você seja perneta, é comum. Pra que então sermos redundantes pronunciando uma letra desnecessária?
“É, mano, anda dando várias chuva”.
Exceção à regra:
A palavra ‘chopes’ foge à regra do plural paulistano, sendo a única do idioma a se pronunciar no plural não importando a situação.
Exemplo:
“Me dá dois pastel e um chopes”.
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2. Transformar ‘filha da puta’ (com ou sem hífen?) em substantivo comum de dois gêneros.
Analisemos as seguintes situações:
a) Uma mulher te dá uma fechada no trânsito. Você grita “Vai se foder, sua filha da puta!”.
b) Um homem te dá uma fechada no trânsito. Você grita “Vai se foder, seu filha da puta!”.
Note que, na hora da raiva, não paramos para pensar na concordância do sexo do rebento da vagabunda. Isso não importa. O que importa é o impacto do grito, intensificado pelo teor de insignificância alheia quando nem se está preocupado se o interlocutor é homem ou mulher.
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3. Substituir o ‘s’ por ‘x’ e o ‘r’ por ‘rr’ no Rio de Janeiro de acordo com a fonética.
Exemplo 1:
“Caraca, deixa de caô e vamox pra praia, merrmão”.
Exemplo 2:
“Coé merrmão, essex paulixtax sabem nada de sãrrf”.
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4. Com a inclusão das novíssimas letras K, Y e W no nosso alfabeto (que ninguém estava acostumado a usar, afinal não temos nenhuma Karen, Kauê, Kauã, Kaíque, Keirrison, Yuri, Yudi, Washington, Wellington, Wallace e William por aqui), a região sul do país poderia ganhar um alfabeto ainda maior com a inclusão de notas musicais para que pudessem, além de falar cantando, escrever cantando também.
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5. Esta é mais séria, mas isso não significa que as outras não sejam. ‘Tchau’ é uma das palavras mais ridículas da nossa língua. Graças ao uso constante, acaba sendo de fácil assimilação, mas vai explicar pra criançada porque o pedreiro do bairro se chama Tião e não Tchão. Teria muito mais nexo escrevermos ‘tiau’ ou, se quisermos simplificar de vez, manda um ‘xau’ logo e todo mundo vira miguxo.
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Aliás, o miguxês sim é evolução idiomática de verdade. C minhas novas regras naum forem aceitas…sugiru entaum ke dexemus essa bestera d reforma gramaticau d ladu i komecemus todus a escreve (i falah…klaru) nessi nobre idioma taum bunitu i fofuxu.
Para aprender mais sobre o miguxês, acesse o grande Miguxeitor, o Tradutor Online (com ou sem hífen?) de Português para Miguxês.
Pra terminar, acho a maior injustiça o que fizeram com o trema. O pobre sinal gráfico estava lá, na dele, sem fazer mal a ninguém, mas resolveram sumir com o coitado. Agora a crase, aquela filha de uma puta que apronta pra cima de todo mundo, que faz um monte de gente ficar com cara de otário quando é corrigido, que faz o orgulhoso ter que se rebaixar e perguntar “tem crase aqui?”, essa continua firme e forte. Sério, o trema é uma perda para a nossa língua.
Fui funcionário público durante 3 anos e só Deus sabe quantas vezes escrevi a palavra ‘quinquênio’ - uma dessas palavras que só usamos em meio ao pó e à futilidade de certos papéis do serviço público. O Word me recomenda pronunciar ‘qüinqüênio’ (cuincuênio). Eu sempre falei quinqüênio (kincuênio). Conheço pessoas - e falo sério, elas existem - que preferem quinquênio (kinkênio). Diante disso, dá pra perceber a importância do trema? Portanto, se quer continuar pronunciando ‘cincoenta’, não escreva ‘cinquenta’.
Bobeira dificultar mais as coisas em país de analfabeto. Por trabalhar na imprensa, participei de algumas aulas sobre as novas regras. Pobres palavras hifenizadas. Algumas novidades não fazem o menor sentido. Se nossa língua já era um mistério para muitos antes, como gente da laia do Rubens Ewald Filho, que não dominam o idioma, vão se virar agora?
Apesar que, pensando bem, pra que escrever direito, se brasileiro não sabe ler mesmo?